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CHAEL CHARLES SCHREIR (In Memoriam)

Em 1961, eu entrei no Colégio Estadual Pres. Roosevelt, na rua São Joaquim, no bairro da Liberdade, nesta cidade de São Paulo, para cursar o Científico. Foi uma das melhores escolas públicas daqueles tempos. Em 1962, um ano depois, entrou na mesma escola um jovem de 16 anos, um judeu, de nome Chael. Esse ainda menino tinha não mais que 1,65 m de altura, gordinho, corado, risonho. Nós o chamávamos de garoto araruta, ou Bebê Johnson, por razões óbvias. Vinha à noite ao colégio, entrando nas salas de aula lá pelas 19:00 horas e saía às 23: 00. Seu pai era dono de uma papelaria/livraria na rua Tamandaré, próxima ao Anglo Latino, uma escola preparatória para vestibulares. Vinha buscar seu filho todas as noites, com medo de riscos ao jovem, devido a uma favela que existia na baixada da rua Lavapés e da rua da Glória. Por razões inexplicáveis, o Chael se ligou fortemente a minha pessoa. Nos intervalos das aulas, lá estava ele sempre a meu lado. Nos sábados à tarde, quando nos reuníamos no grêmio da escola, lá estava ele. Junto com outros companheiros, ouvia e participava das discussões políticas e leituras de livros de esquerda. Sempre entusiasmado, participava de tudo. Não havia quem não gostasse do Chael, uma espécie de Sancho Pança, sem nenhum D. Quixote identificado. Tinha sempre na face um sorriso. Em 1963, terminei o curso e, no ano seguinte, no começo de 1964, entrei na Faculdade de Economia da USP. Perdi o contato com o Chael. A grande cidade de São Paulo é túmulo das grandes amizades. Alguns anos depois, ainda me lembro, eu estava no aeroporto de Congonhas, embarcando para o Rio de Janeiro, vi um cartaz colado nos pilares com várias fotos de companheiros procurados pela repressão. Lá estava o Chael, junto com outros companheiros, alguns conhecidos. O desenvolvimento político levou Chael à radicalização. Cursava medicina na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e ingressou na VAR Palmares, o mesmo movimento revolucionário de Dilma Rousseff. Foi preso num esconderijo na cidade do Rio de Janeiro e levado aos porões da repressão do Exército, na mesma cidade. Foi bárbara e covardemente torturado. Quem conhecia o Chael, jamais poderia imaginar que ele ofereceria qualquer risco a quem quer que fosse, sobretudo depois de imobilizado. Foram horas de surra, socos, pontapés, quebra de dez costelas, intestinos furados, hemorragias intensas, marca de 53 agressões, pênis dilacerado, pendurado de ponta cabeça. O Gólgota foi festa perto da tortura de Chael. Morreu em 24/11/1969, com 23 anos de idade. O cadáver de Chael veio em caixão lacrado para São Paulo, devidamente escoltado pelos seus verdugos do exército, sequer permitindo que seu corpo fosse lavado, em cumprimento à tradição religiosa judaica. E assim enterrado, sem mais delongas. Fiquei sabendo de sua morte alguns anos depois, quando foi publicado o livro "Brasil Nunca Mais", organizado pelo Cardeal D. Paulo Evaristo Arns e pelo Rabino Sobel. Ainda hoje vejo a imagem de Chael na minha frente, como se o tivesse visto ontem. No início, quando soube de sua morte, fiquei com uma esquisita sensação de um sentimento de culpa. Afinal o Chael deu seus primeiros passos na política, conduzido pelas minhas mãos. Depois entendi melhor que ele próprio tinha construído seu destino, pelas suas crenças, como eu construí o meu por outro tipo de convicção e de caminhos. Mas nunca mais o esqueci.Esta crônica é uma homenagem "in memoriam" a ele O que quero transmitir é que os carrascos, facínoras e verdugos que mataram o Chael são os mesmos que hoje tem a mesma cabeça fascista, o mesmo DNA e que advogam o fechamento do Congresso e do STF, tendo um insano como Mito, eleito por eles, sentado nos palácios de Brasília, distribuindo palavrões e insanidade por onde passa. Há necessidade de resistir para que outros garotos não sejam covardemente torturados e mortos como o Chael, e a história se repita como tragédia.


 o MANIFESTo DE LAURO:

 

Lauro Velasco é economista formado pela FEA-USP, mas também é historiador de mão cheia, administrador, educador e auto didata em uma gama de atividades, além de um grande pensador político e social.

 

Nesse espaço iremos abordar assuntos, temas, histórias com um enfoque social e político, mas ao mesmo tempo com uma linguagem simples e fácil de ser entendida e disseminada.

 

E com  esse Manifesto iremos trazer a tona assuntos espinhosos, mas com um tempero bem brasileiro.....

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