top of page

Os Gafanhotos

Os gafanhotos se tornaram insetos famosos pelas suas travessuras bíblicas, destruindo a economia agrícola egípcia, gerando enormes fome e miséria, por determinação do deus hebraico, interessado em proteger Moisés e seus seguidores, na fuga para a terra prometida. Esse deus era um pouco imparcial, protegendo apenas o seu povo eleito e o resto dos humanos que se lascassem.Uma peste divina servia como arma de destruição do outro povo.

Na década que permeou entre os anos de 1940 a 1950, eu era, ainda, um menino com sardas, joelho preto, descalço, não raramente com alguns bichos no pé e muitas marcas pelo corpo, decorrentes dos acidentes naturais, para quem morava num sítio.

Num dia de verão, na metade dessa década, vivemos, eu e minha família, uma experiência trista e inesquecível.

Lá pelas 2, 3 horas da tarde, num dia quente, os primeiros gafanhotos pousaram no terreiro de café, ao lado da nossa humilde moradia. Era um prenúncio.

Meu pai, um sábio conhecedor das coisas e um lutador incansável, anteviu a chegada da praga. Tentando minimizar os efeitos da desgraça, colocou toda a família em ação. Cada um tinha sua tarefa, determinada pelo comandante. Os mais velhos e fortes estavam incumbidos de abrir valas no chão, ou arrebanhar estrume de vaca seco, capim gordura e tudo o mais que pudesse, ateado fogo, fazer fumaça intensa, espalhando tudo isso entre as plantações. Os menores e menos fortes, como eu, tinham a incumbência de arrebanhar latas vazias de querosene Jacaré, ou latas de veneno, também vazias, armados de forte pedaço de pau e, assim, fazer um barulho infernal para tentar espantar os predadores invasores.

Em poucos minutos, esse exército de resistência estava armado, quando chegou a nuvem negra indescritível e inesquecível dos famintos gafanhotos. Baixaram nas plantações. Dava para ouvir o barulho disseminado do som dos insetos mastigando as folhas verdes de tudo. Foi uma batalha árdua, que demorou mais de uma hora e, para nossa tristeza, nós, humanos, fomos derrotados pelos vis e malditos insetos. O cafezal e o arrozal ficaram pelados. No milharal restaram apenas as hastes dos pés de milho, com algumas espigas neles dependuradas. Tudo o que de verde existia no sítio Chapadão foi destruído pelos gafanhotos.

Eu sempre me perguntava porque isso ocorria com uma família como a nossa. Nessa época, sequer sabíamos do povo eleito, nem conhecíamos ninguém dessa tribo, Na minha casa, passava longe qualquer espírito de Ramsés II, o faraó do Egito. Isso ficou marcado na história de minha família, como um episódio de derrota, mas com muito orgulho pela luta.

Nunca mais os gafanhotos saíram de minha cabeça. Hoje, nuvens deles estão espalhadas pelo mundo inteiro, como príncipes dos parasitas, se alimentando de tudo o que os outros plantam e produzem. Eles apenas disseminam as misérias.

Maldito gafanhotos que, hoje e sempre, também assumem a forma humana:

Quem pode ser mais gafanhoto do que um banqueiro, voraz abocanhador do pão dos outros? Quantas casas reais, de nobreza, e burguesas ainda subsistem, se alimentando do que lhes servem os servos? Quantos exércitos militares pelo mundo afora se alimentam como gafanhotos, sem nada produzir e ainda querem conduzir os destinos dos demais humanos? Quantos templos religiosos, suntuosos, de todos os matizes e para todos os deuses, com mensagens enganosas, se alimentam dos dízimos de seus fiéis seguidores? Quantos parlamentares e dirigentes se privilegiam apenas para conduzir SUAS colheitas? Quanto MAIS VALIA- se é que alguém ainda sabe o que é isso - se deixa nos paióis de quem nada produz? E por aí vai, nas incontáveis formas de apropriação indébita dessa praga.

Como é sabido, gafanhotos adoram todas as coisa verdes.As notas verdinhas com uma mensagem no seu corpo que transmite a confiança em Deus, é uma das comidas preferidas.

A verdade que remanesce é única e já dita: os gafanhotos disseminam a miséria Só cuidam de seus estômagos.

E não se iludam, nunca conseguiremos nos livrar deles totalmente. Esses predadores ainda continuarão aprisionando os humanos, obrigando-os a carregar pesos atrelados às correntes.

O que fazer? Lutar, tentar eliminar ao máximo esse tipo de praga parasita, mesmo com pouca chance de vitória. Aquilo que minha família fez naquela tarde quente da década de 1940.

Afinal de contas, a vida é uma luta contínua e só se finda, quando não mais vemos gafanhotos, flores e mais ninguém.


 o MANIFESTo DE LAURO:

 

Lauro Velasco é economista formado pela FEA-USP, mas também é historiador de mão cheia, administrador, educador e auto didata em uma gama de atividades, além de um grande pensador político e social.

 

Nesse espaço iremos abordar assuntos, temas, histórias com um enfoque social e político, mas ao mesmo tempo com uma linguagem simples e fácil de ser entendida e disseminada.

 

E com  esse Manifesto iremos trazer a tona assuntos espinhosos, mas com um tempero bem brasileiro.....

 Siga o lauro: 
  • Facebook B&W
 POSTS recentes: 
bottom of page