Estórias e Metáforas
Esta é uma estória verdadeira, vivida por mim, e as metáforas, tristes verdades. Eu tinha por volta de 9/10 anos. Eu era um moleque liberto. Era um domingo de sol e calor na minha cidade natal. Era um dia especial: iria ser inaugurado o aeroporto da cidade. Era para ser uma base militar de segurança nacional. Depois desistiram, pois viram que os inimigos vizinhos não eram tão ameaçadores. Andando pelas ruas da periferia de Venceslau, próximas a minha casa, naquela manhã de domingo, encontrei-me com um amigo, o Reinaldo. Não sei de quem partiu a sugestão, mas o fato é que resolvemos ir até o aeroporto e participar da festa de inauguração. A pé, tomamos a linha do trem da Sorocabana e seguimos em direção a oeste, no rumo do Rio Paraná. Depois de poucos quilômetros andados, à altura da fazenda de Santa Sofia, derivamos à esquerda por uma estrada de terra e continuamos a caminhada. Passamos pelo sítio dos Nunes e, após isso, a estrada era uma interminável subida. Chegamos ao aeroporto, no alto do Chapadão. Lá havia muita gente, mas muita gente mesmo, para os padrões da cidade.Havia muito churrasco, de graça,bebidas, sanduíches de toda ordem, descidas e subidas de aviões mono e bimotores, música caipira e de outros seresteiros. Havia, se a minha memória ainda pode ter credibilidade, um programado salto de paraquedas da Ada Rogato, arroz de festa nesse tipo de evento. Mas não me recordo dela ter pulado. Lá pelo início da tarde, depois do meio dia, repentinamente, surgem gritos no meio da pista ao lado de um avião. Gritos e mais gritos. Correria. Alguém não sabia da lei da física de que dois corpos sólidos não podem ocupar o mesmo espaço, no mesmo instante de tempo. A hélice do avião, quase invisível na rotação a alta velocidade, decepou parcialmente a cabeça de um cidadão. Morreu na hora. Foi um pandemônio. A festa acabou. Restou a mim e ao Reinaldo, depois de bisbilhotar o ocorrido, voltar para casa. Fizemos o trajeto de volta. Agora só havia descida. Quando chegamos à linha do trem, o sol já estava alto e, sem muito raciocinar derivamos à esquerda( que nada tem a ver com ideologia, simples rumo). Caminhamos, conversamos, rimos, mais risos, caminhadas e conversas e a cidade não aparecia. Ficamos desconfiados. A certeza de que havíamos tomado o rumo errado se deu, quando nos deparamos com a serraria da Chave Madeiral, no meio do caminho em direção ao rio, a cerca de 15 km de minha cidade. Já cansados, com aquele calor, sem água.só nos restava voltar. Foi o que fizemos, pela mesma linha do trem. O assunto na cidade era a morte acidental no aeroporto. Só se falava disso. Só se noticiava isso. Eu e o Reinaldo voltávamos lentamente pelos trilhos da Sorocabana. Desnecessário dizer o pânico que tomou conta de minha família, sabedora por alguém que eu tinha ido ao aeroporto. As visões desastrosas habitavam as mentes de meus irmãos, irmãs de meu pai e, inclusive,dos vizinhos. Foi outro pandemônio, pois ninguém sabia o nome do cadáver deformado. A angústia de todos era evidente. Foi um tal de irmãos e pai saírem para buscar informações e nada esclarecer. As irmãs, a rezar. Cansados, chegamos em casa já escuro, ao anoitecer. Meu pai estava fora, anda me procurando. Havia um misto de abraços e cacetadas na minha cabeça por todos os irmãos e irmãs, mas, notoriamente, estavam todos felizes pelo meu retorno, são e salvo. Quando meu pai voltou, já veio de cinto na mão, para me dar uma surra. Mas a família se interpôs e ele desistiu, até porque também estava feliz com a volta do caçula. A penalização foi determinar que eu deveria não mais comer, ficar em jejum. Mas, minhas irmãs, sorrateiramente, fizeram chegar a meu quarto, onde fiquei preso, pela janela, um prato de macarrão, requentado, sobra do almoço. Aí surgem as metáforas. A linha da vida de cada um é recheada de metáforas. Não nos damos conta, mas, a todo instante, elas surgem, como atos de ensinamento, E quase nunca aprendemos. Porque o livre arbítrio não pode, por antecipação, nos dizer qual o melhor caminho a optar, se para um lado ou para o outro. A opção, naquele dia de domingo, a continuar por um caminho equivocado, nos levou a uma experiência estranha, provocando a antevisão de uma tragédia. Quantas vezes na vida optamos por caminhos equivocados? Quantas decisões tomamos para delas só tirarmos sofrimentos? Em tudo na vida é assim. Além do destino das pessoas, das famílias, das cidade e até do país, essas opções podem nos levar ao abismo. Parece exagero, mas não é. Opções equivocadas quase já destruíram o mundo. Hoje em dia chegamos a um ponto que, como resultado da opção de milhões de brasileiros, somos obrigados a optar ou pela CLOROQUINA ou pela TUBAÍNA, recomendadas pelo rei do momento. O meu dia daquele domingo se repete como uma imensa tragédia e uma triste metáfora. Milhões pegaram o rumo errado.