Incertezas do Futuro
Certa vez, escrevi neste espaço que, para entender bem o conteúdo de uma obra literária, se fazia necessário ajustá-la à época em que foi escrita. Dei como exemplo o livro de Cervantes, Dom Quixote De La Mancha. Lido, hoje, sem o devido ajuste àqueles tempos, há muita coisa de ridículo e infantil no seu texto.
O mesmo se dá, quando lemos os livros clássicos de economia e política. Quando lemos Adam Smith, no Riqueza das Nações, enfocando a economia nascente, clássica e pura, e todos as obras de Marx,e Engels, explicando o capitalismo devorador e destruidor, ao mesmo tempo apregoando a DITADURA DO PROLETARIADO, aqueles gênios estavam diante de uma realidade social, política e econômica daquelas épocas.
Era um período de privilégio de classes, levadas ao paroxismo. Numa fábrica têxtil, numa mina de carvão ou qualquer outra atividade daquela época, havia um senhor proprietário, poucos capatazes e centenas ou milhares de trabalhadores. Estes recebiam o mínimo de salário para manter, mau e porcamente, sua subsistência. Sobreviverem apenas. Seus trabalhos eram exercidos por 15/18 horas diárias, por homens, mulheres e crianças, nas mais precárias condições de higiene e salubridade. Morriam como moscas, em decorrência dessas situações.A tuberculose, o escorbuto, as febres, a sub alimentação, as infecções intestinais eram doenças que traziam a menos de 40 anos a expectativa de vida de qualquer trabalhador.
Ali, Marx e Engels encontraram justificativa parra estimular os trabalhadores a se unirem e quebrarem as correntes, os grilhões daquela servidão. O Manifesto Comunista traduz isso.
Todo esse cenário deu combustível à LUTA DE CLASSES, que se viu vitoriosa na revolução russa de 1917. Mudou, a partir dai, o mundo totalmente.
Cada uma das revoluções subsequentes vitoriosas tiveram suas características próprias, mas, em todas elas, houve o rompimento do equilíbrio da classe dominante. Esfacelaram-se os sistemas apodrecidos, seja pela corrupção, seja pela ganância, ou outras desqualidades dos governantes
A realidade é que grande parte disso mudou depois da 2a. Guerra Mundial. O capitalismo em crise viu o socialismo avançar e destruiria o capitalismo, caso não houvesse reformas neste sistema. Era questão de sobrevivência. Começou a GUERRA FRIA.
Alguns gênios do capitalismo tiveram uma visão clara: os trabalhadores deveriam participar desse bolo do progresso. Vale dizer, se transformarem em parte do processo, numa CLASSE MÉDIA.
O que é essa Classe Média? São aqueles trabalhadores que se posicionam entre os donos do capital e seus operários. Engenheiros, advogados e outros profissionais de nível superior, estimulados pelo capitalismo, substituíram os capatazes. Seus status já são de participantes do sistema, do lado do capital.
Henry Ford queria que cada um de seus operários tivesse seu carro próprio. O efeito demonstração e político disso foi imenso.
Essa Classe Média passou a compor um exército de defesa do capital e do capitalista.Esse sistema tinha tudo a perder com a Ditadura do Proletariado. É uma clara manifestação fascista.
Essa Classe Média virou inimiga desse proletariado e passou a propagar que o comunismo, a Luta de Classes, era coisa do demônio, amparada por religiões.
Além disso, esses gênios do capitalismo bem entenderam que o Estado, com todas as suas forças e poderes, era não mais que um dirigente e protetor da classe burguesa. Entenderam, também, que o Parlamento e a Imprensa eram instrumentos dos que serviam a burguesia para enganar as massas, sendo, ainda, uma arena da luta de classes, onde sabe-se o vencedor por antecipação.
Ainda esses gênios do capitalismo sempre souberam que a Social Democracia NUNCA foi uma força revolucionária e que a burguesia se serve dela para deter qualquer avanço revolucionário, criando, inclusive, Constituições auto protetoras.
Esse é o panorama deste mundo moderno. Não cabem mais sonhos de tomada de poder pelos fuzis dos descamisados, pelas revoluções históricas.
ISSO ATÉ O SURGIMENTO DO VÍRUS. O que será do mundo daqui para frente? Abrem-se dois panoramas:
O primeiro é que tudo continuará como está. Continuaremos lutando por todas as conquistas sociais e econômicas possíveis, da mesma forma desenhada pelos sempre humanistas.
O segundo panorama é INCERTO E NÃO SABIDO. Onde nos levará esse vírus?Quais suas reais consequências? Quão duradouro serão seus efeitos? Quem sobreviverá como classe? O que restara da Classe Média reacionária? Como os fascistas reagirão? O que restará do capitalismo original aqui e no resto do mundo? Como a possível nova sociedade, o novo, se organizará?
Vejam as referências feitas a Adam Smith, Marx e Engels no início desta crônica. Tudo o já dito se aplica aos novos tempos. TUDO PODE SE TRANSFORMAR. A mudança na história nem sempre manda avisos. Fomos todos pegos de surpresa.
Estamos preparados minimante para essa transformação?
É necessário ativar a criatividade. O que e como queremos num eventual novo mundo?