Ame-o ou Deixe-o
Ao final de 1968, a ditadura militar, nascida do golpe de 1964, radicalizou a repressão. A partir daí, o dia a dia de todos os brasileiros viveu um processo de censura radical aos jornais, revistas, cinema, músicas, livros e qualquer outra manifestação política cultural da sociedade. Cassações à farta dos discordantes, prisioneiros foram feitos aos milhares, manifestantes espancados, torturados, pisoteados por cavalos, atropelados por veículos da repressão, bastões de borracha descendo nas costas dos que protestavam e muitos mortos nos porões dos órgãos de repressão. Uma tristeza, da qual tive a honra de participar em muitos atos do lado sofrido. O sistema ditatorial, nos seus primeiros anos, com a irrigação farta de dólares promovida pelos EUA - o grande patrocinador do golpe, através da CIA, viveu um falso progresso, artificial desenvolvimento, eis que o endividamento nacional atingiu a estratosfera. E esse sistema conseguiu traduzir uma imagem de falso otimismo, através da comunicação em massa. Criaram e divulgaram uma mensagem, onde se lia, em todos os lugares, o apelo: AME-O ou DEIXE-O. Era uma clara advertência fascista: ou você ama o país que aí está, ou vá embora, ou, ainda, nos deixe quietos. Não precisamos de você. Suma do mapa, se você diverge do que aí está. Assumiram um exato modelo nazifascista, eis que em até fornos crematórios de usinas de açúcar encontramos vítimas da repressão, que, certamente, amavam o país, mas não da forma dos militares e de seus asseclas, e, ao invés de deixá-lo, lutaram, na tentativa de mudá-lo. Muitos anos depois, em meados da década entre 1980/90, quando o panorama desencantou os enganados, aqueles mesmos que resistiram ao golpe, saíram às rua para exigir Diretas Já. Apearam do poder os militares, o último dos quais foi literalmente apeado, eis que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo, tanto que sua mulher, mesmo que de povo nada tivesse, sequer já dormia com ele. Ainda bem que os discordantes não deixaram o país, porque o amavam de forma diferente daquela imposta pelos milicos. Aqueles que nada aprenderam com a história, nos dias de hoje, concitam aos que não estão de acordo com a postura e conduta do capitão eleito, de seus filhos e de outros bajuladores e interesseiros, a irem rumo a Cuba, Venezuela, Bolívia e a outros rincões, vistos sob a ótica desses príncipes como vales da escuridão. Ou seja, ame essa cara e essa alma que aí está, ou vá embora. Deixe-nos. Nada de fato aprenderam com as ondas do mar, que repetem o ciclo da vida e que nos ensina eternamente que a todo fluxo e avanço das águas, segue-se, inexoravelmente, o refluxo e recuo dessas mesmas ondas. Que nada neste Universo é imutável, a começar por esse próprio Universo, que a todo instante se transforma, mesmo contendo sempre os mesmos elementos. Quanto mais nesta planetinha de merda, que amamos e violentamos a todo instante, mas que nunca vamos deixá-lo, mesmo que os trogloditas, vez por outra, tomem o cipó e o poder acidentalmente! É incrível como a cegueira domina essas pobres almas!