O Caso Dreyfus e o Momento Atual
A França sempre nos legou registros e lições históricas, nos últimos 250 anos, para o bem e para o mal. Seus iluministas, seus reacionários, suas revoluções, seus golpes de estado foram fatos que ajudaram a moldar suas instituições. Pelo que me consta, nenhum país viveu uma história tão rica, contraditória e conturbada nos últimos tempos. Até hoje. Na metade da última década do século XIX, em 1894, a França viveu uma de suas hecatombes, pouco conhecida da maioria das pessoas comuns. Foi acusado de espionagem e preso o capitão do exército francês, Alfred Dreyfus. A beneficiária desse ato vil seria a Alemanha, que teria recebido segredos militares sobre um fuzil desenvolvido pelas forças armadas francesas, de alta tecnologia e precisão. A Alemanha estava engasgada na garganta dos franceses, depois da derrota de Napoleão III, na Guerra Prussiana, em 1870 e a perda para os alemães dos territórios da Alsácia e Lorena. Havia, na França, um doentio sentimento de REVANCHE, que desembocaria na Primeira Guerra Mundial, com ecos subsequentes até a Segunda. Espionar para os germânicos era ato de altíssima traição, suscetível até de pena de morte. Além de tudo, Dreyfus era um JUDEU, e, sobre esse povo, havia um feroz e intolerável sentimento anti semítico, transformando, os membros dessa raça, como causadores das mil desgraças que assolavam a República francesa na época. Não vamos entrar nos detalhes do relatório que deu sustentação à condenação do capitão, mas, na síntese, simplesmente com argumentos ridículos para qualquer conclusão condenatória. Dreyfus pagou por ser judeu. A França foi um dos berços do anti semitismo europeu, principalmente a partir do século XIX, sendo alí o nascedouro, como defesa, do sionismo. Muito pior do que a Alemanha. O caso Dreyfus colocou à mostra as feridas da sociedade francesa, de seu regime político e do papel das forças armadas. Na síntese, expos seu arraigado anti semitismo, o autoritarismo e anti republicano e anti democrático militarismo, a tendenciosidade assustadora de sua grande imprensa, com rabo preso com tudo o que possa imaginar, o papel reacionário das classes empresariais e da igreja católica da época, tudo isso confrontado por aquelas forças que emergiram na revolta à condenação do capitão e que passavam a representar a mais arejada parcela democrática nascente na França. O caso Dreyfus estabeleceria essa profunda divisão na vida francesa. O capitão ficou preso mais de 10 anos, por algo que, comprovadamente, não cometeu, na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, em condições sub humanas. Só foi reabilitado em 1906, e, em 1908, ainda sofreu um atentado a tiros, sendo o agente desse ato inocentado de forma escandalosa. Bem, o que tudo isso tem a ver com este infeliz país? Tudo. A história, mais uma vez alimenta, com seus exemplos, as tragédias e as comédias. A construção da acusação do caso Dreyfus se sustentou em documentos falsos, ridiculamente construídos e direcionados para acabar com o judeu e tudo o que ele representava e impor regras absolutistas, com os militares no centro. Como encarar o mensalão, as pedaladas fiscais , a compra do triplex no Guarujá e todo o circo montado para destruir outro judeu, desculpe, uma liderança e um partido político? Não é um judeu e uma raça a serem destruídos, mas forças contrárias, que precisam ser eliminadas. Alí estão os mesmos componentes do caso Dreyfus: o militarismo e sua aversão pela democracia, a grande imprensa comprometida, as forças conservadoras, a religião com cara de cauboy, um preso político, cuja inocência se atesta escandalosamente e, no presente, a farta comprovação de forças para a condenação, sem escapatórias, do alvo identificado. Conluio de acusadores e julgadores, exatamente como na França da época de Dreyfus . Pena que as pessoas que me leem não terão paciência ou oportunidade para ler a obra que sustenta essa minha tese: " O Caso Dreyfus" de Jean Denis Bredin. Ali verão que as ocorrências históricas e políticas não foram e não são meras coincidências. Nesse aspecto, o mundo pouco mudou.