Nada vem do Nada
Tudo vem de algo. Não há causa sem efeito, nem efeito sem causa. Duas faces de uma mesma moeda - essa sempre a lógica universal. Quando caminho pelas ruas de São Paulo, bem como de outras grandes cidades do país e do resto do mundo, que conheci, posso sempre observar o fenômeno da pichação nos muros, casas, prédios, monumentos, enfim, em todo o lugar público onde se torna possível esse tipo de protesto niilista. Não há, nesse tipo de manifestação, nada que tenha sentido ou utilidade. Esse tipo de fenômeno se manifestou nos últimos 40/50 anos, emporcalhando as cidades. É tão corriqueira essa prática, que sequer já nos damos conta dela. Para a maioria dos cidadãos, a pichação passa despercebida, como se esse fenômeno fizesse parte da rotina de vida e de seus caminhos. Não faz, mas nossa alma já está tão embotada que não mais se comove, nem se revolta. Viramos verdadeiros walking deads - transeuntes mortos vivos diante disso tudo, como se drogados estivéssemos. Neste mundo de hoje, a pichação pode ser estendida não apenas aos bens materiais, mas, também, a nossa alma. Estamos todos, numa proporção maior ou menor, com a alma pichada, sem condições de distinguir com clareza tudo o que turva nossa civilização. Não sei se quem me lê, observa que passamos trágicos acontecimentos, só nos últimos dois meses, e, tal qual as paredes pichadas, já não temos mais a aguçada percepção de todo o mal praticado e sofrido e do desastre vivido. Viramos verdadeiros mortos vivos. Nos indignamos no primeiro momento e depois aquilo fica armazenado com nossa indignação, diminuindo gradativamente à medida do tempo e, assim, vai se apagando. Brumadinho, Ninho do Urubu, Mortos nas Enchentes, Massacre na Escola de Suzano são eventos que, tal qual as ruas pichadas, certamente ficarão inseridos no meio de uma poluição de desastres, passivos de esquecimento e desaparecendo a indignação. Esse niilismo nasce do fato do esgarçamento do tecido social. E, também, do político. Qual meu horizonte, pergunta o facínora? Não vou pichar as ruas, mas vou arrebentar com os valores falsos dessa sociedade, que nunca conseguiu me reconhecer como parte dela. Os jogos de vídeo gamem, a televisão, o cinema, me ensinaram como transformar a violência em ato consequente da vida. É o que me restou. O sistema econômico permitiu a poucos o gozo do privilégio, e todos viramos máquina e vítimas de sua existência. É, também, uma forma de pichar e cegar nossas mentes. Provavelmente, nada mais sintetiza a pichação e nebulosidade de alma do que a afirmação estúpida de um senador, que acha que armar professores á a solução para a violência. Em verdade, uma violência para combater outra. Fico imaginando a Dona Carmen. minha professora no primário, já velhinha, com um revólver no coldre, respondendo aos tiros de dois loucos, perdidos na vida, para defender seus alunos. Nada mais me surpreende. Estamos todos cegos e ninguém consegue ainda entender essa cegueira. E não vejo solução para limpar todas essas almas pichadas. Não saberemos sair desse atoleiro, criado pela própria humanidade.