"Chico Forró"
Chico foi um companheiro de minha infância e juventude. Daqueles amigos de brincar nas águas das enxurradas das chuvas, jogar bola no campo atrás da velha igrejinha de São Francisco e dar muita risada naqueles anos de inocência. Sua origem era de família baiana, a cor de sua pele era mais para o pardo e bastante pobre. Chico tinha muito bicho no pé. Era algo inenarrável a quantidade de bichos no pé do Chico. Creio que foi o maior índice de bichos por centímetro quadradao de pé que conheci. Naquela época isso era comum. Acho que, por isso, em função da coceira, era um jogador de futebol incomparável. Foi um meia esquerda, um dos maiores dribladores que conheci, um verdadeiro Rivelino com bichos no pé. Chico fez apenas o primário e não sei se terminou o curso. Era, com certeza, quase um analfabeto. A medida que o tempo foi passando, fui me dsitanciando do Chico, até nos encontrarmos de novo no exército - o Tiro de Guera. Lá ele era a salvação do nosso time de futebol. Era a única estrela num sistema planetário só de planetas futebolísticos da pior espécie e de nenhuma luminosidade. Quando concluímos o Tiro de Guerra, o Chico e mais dois companheiros, o Oswaldo e o Teixeira, foram os únicos reprovados por um capitão examinador cego e insensível, porque os três não sabiam quem era o Marechal Deodoro da Fonseca e outras figuras assemelhadas. Pelo nervosismo, diante do deus capitão não sabiam desmontar e depois montar um fuzil. Coisas de uma enorme importância, como todos podem ver. Eu quase fui preso por, bêbado, falar umas verdades àquele capitão insensível, só sendo salvo pela ação pacificadora do nosso Caxias, o Sargento Nabuco. Pobre e desamparado, o Chico teve que repetir o ano no ...Tiro de Guerra. É mole? Depois a vida me afastou do Chico, com minha vinda para São Paulo. Um dia, ao voltar a minha cidade, para o lançamento de um livro, soube, por um querido sobrinho, que o Chico estava no Asilo de Velhos. Já não era apenas o Chico. Tinha virado o Chico Forró, provavelmente porque sua habilidade com as pernas havia se transferido do futebol para a dança. Já há muitos anos o alcoolismo tinha tomado conta de seu corpo e de sua alma. Nos encontramos e choramos muito. Deixei com ele um exemplar de meu livro, com uma dedicatória especial,livro esse que, tenho certeza, ele jamais leu. Mas, com certeza guardou com carinho e mostrou aos demais velhinhos amigos do local. Há poucos dias, o companheiro Jamil me informou que o Chico Forró faleceu em 2014. Saudades do Chico, parte importante de nossas vidas. Que descanse em paz.