"Assim é, Se lhe Parece"
Por volta de 1972/1973, eu era diretor contratado de uma empresa de crédito imobiliário. Nessa empresa, eu gozava de absoluta liberdade pela confiança que os sócios depositavam em mim. Por isso, eu tinha autonomia para admitir profissionais. Assim, dei guarida a vários companheiros cassados ou perseguidos politicamente. Não havia paternalismo de minha parte, pois todos eram extremamente competentes como profissionais. Um deles foi Joaquim. Era um mineiro, advogado recém formado que, pereguido politicamente, pela sua atuação no meio acadêmico, saiu de Belo Horizonte e veio para SP, indo parar na empresa que trabalhei, encaminhado por outros companheiros. O Joaquim foi admitido como advogado assistente do advogado titular, um causídico burguês, muito competente, mas reacionário politicamente. Sócio do Clube Paulistano, um dos zoológicos, naquela época, onde habitavam todos os tipos de gorilas da elite paulistana. Como todo mineiro, não havia quem não gostasse do Joaquim: alegre, comunicativo, brincalhão, piadista, logo se enturmou com todos, até com o chefe reacionário, com reservas, evidentemente. Depois de 1 ano de empresa, voltou a BH para casar e retornou a SP. Um dia, numa segunda feira, o Joaquim não veio ao trabalho. Até aí, nada demais. Sua ausência, contudo, se estendeu por vários dias. Fomos a seu apartamento e o zelador nos informou que le saíra no domingo à noite e não mais retornou. E, assim, se passaram mais de 2 semanas. De repente, retornou o Joaquim. Passou pela recepção da minha secretária, adentrou à minha sala, fechou a porta às suas costas. Sentou-se à minha frente e, depois de me dar a mão e me cumprimentar, sem que eu tivesse dito qualquer palavra, disse-me: vim pedir minha demissão. Ato contínuo, desandou a chorar compulsivamente. Não conseguia parar. Ele já era um sujeito magro, mas estava esquelético, com as roupas folgadas em seu corpo. Levantei-me de minha cadeira, pedi à minha secretária que trouxesse um copo de água, sentei-me a seu lado e esperei a crise passar. Depois de algum tempo, Joaquim parou de chorar e começou a relatar o ocorrido. Na noite de sábado de semanas atrás, ele recebeu a visita de 3 companheiros, participantes do movimentos políticos de resistência em Minas Gerais. Estavam vindo do Rio e iriam tomar um carro, com outros companheiros, no dia seguinte, um domingo, à noite, no cruzamento da Dutra com rodovia Fernão Dias. Pediram para ali ficar. Amigos do casal, solidários na luta, permaneceram no apartamento até o domingoà noite, quando Joaquim e sua mulher os levaram ao local combinado na Fernão Dias. Depois de entregues os amigos, se despediram e Joaquim com a mulher, retornando pela Dutra, foram fechados por uma viatura da repressão e levados ao DOI-CODI da Abilio Soares. Torturados, expostos a todo tipo de execreção, contaram tudo o que sabiam e não sabiam. Um curta metragem, denominado "Se eu demorar uns meses" onde minha mulher, atriz, tem uma atução brilhante, mostra bem esse ritual da tortura. O mais dolorido de toda essa tortura foi a mulher de Joaquim exposta nua, na frente de todos os companheiros de cela. Ela tinha um pequeno defeito na perna esquerda, resultado de uma paralisia infantil, o que tornava sua exposição mais humilhante, apesar de todos aqueles companheiros de cela darem as costas àquela visão. Soltos, pois nada mais podiam sugar de ambos, queriam sumir no mundo.Assim foi, como Pirandello expôs em sua peça, porque à repressão parecia tratar-se de um perigoso guerrilheiro, que poderia, sozinho, enfrentar as forças armadas brasileiras e destruir aquele arremedo de democarcia. Por isso, seu pedido de demissão irrevogável. Ele justificava, pois não queria que aquele vínculo entre nós fosse criar um problema para mim e, dessa forma, foi embora de minha vida para sempre. Tempos depois, soube que sua mulher morrera de um câncer fulminante. Jamais tinha se recuperado da tristeza da humilhação. Toda essa história é para falar de Dilma Roussef, no dia em que se mobiliza em todo país um movimento de golpe. Sim, golpe. Dilma trilhou caminhos, na tortura, mais bárbaros que Joaquim e sua mulher. Sobreviveu e quis o destino que um dia, seja lá por quais caminhos, veio ter à Presidência da República. Essas pessoas, que foram forjadas no sofrimento, na luta e no idealismo, jamais serão corruptas. Diferentemente daqueles meninos, abrigados ao Solar dos Neves, em São João del Rei, protegidos por um avô, que trilhou todos os caminhos políticos, sempre um grande contorcionista e outras figuras assemelhadas que por aí estão. Tudo o que hoje a acusam carece de provas. Foi envolvida? Possívelmente. Foi apunhalada pelas costas pelos companheiros? Certamente. É incompetente? Não sei, mas ninguém pode ser condenada por incompetência. Porém, na lama que a envolveu, permanece, até agora, limpa. Da mesma forma, seus inimigos da direita a condenam, pois lhes PARECE que alí se encontra um agente corruptor e beneficiária. E de aparências e achismos, o destino é a condenação sem provas. Há duas pessoas nesse governo que creio na integridade moral: Dilma Roussef e Jose Eduardo Cardoso. Até que me provem em contrário, serão apenas palavras raivosas e discriminatórias. Aviso aos meus companheiros da esquerda, direita e centro que não percam tempo em querer me pedir explicações do acima relatado. É questão de foro íntimo, e, independente do que o partido da Presidente tenha cometido de equívocos, permito-me o direito de pensar que ela está fora dessa canalhice.