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"O Berrante e o Boiadeiro"

Lá pelas décadas de 1940 e 1950, quando ainda havia onças e panteras no Pontal do Paranapanema, no Morro do Diabo, eu morava num lugar à beira de uma estrada de terra, dela protegido por uma cerca de arame farpado. Eu era um moleque, espécie de Menino da Porteira, sem a porteira.

Quando eu estava no mourão da cerca, olhava para oeste, além de minha visão, e via uma nuvem de poeira levantada no ar, ou era vento de chuva, se o céu estava escuro, ou era poeira de uma boiada.

Centenas de cabeças de gado formavam a boiada. À frente, um boiadeiro, o sendero, guia, com um berrante às costas. Os boiadeiros hábeis tocam aquele berrante, dele tirando um lindo som melancólico. A cada minuto se repete o toque e o rebanho segue, ao seu som, lento, cadenciado, morrente, sem sequer olhar o campo verdejante ao lado, sob frondosas árvores. Segue para a morte no matadouro, passivo.

Havia uma lenda que dizia que, caso alguém à beira da estrada jogasse um punhado de sal ao fogo, o rebanho se rebelaria e haveria o famoso estouro da boiada. Eu sempre fiz isso, com minha veia revolucionária nascente, mas nunca consegui nada, para minha tristeza. Diziam que esse sal ao fogo teria a capacidade de se comunicar com os bois e transmitir o destino que os esperava. A conversa de bois de Guimarães Rosa confirma isso.

Quando, hoje, me lembro disso, depois de mais de 60 anos, vejo o boiadeiro e seu berrante corporificados em outras vestes, a grande mídia. A pequena mídia, mais democrática, não tem dinheiro para adquirir esse berrante.

Jornais, TVs, Rádios, cronistas, articulistas, formadores de opinião, são como o boiadeiro sendero, tocando um tipo diferente de berrante, conduzindo uma boiada humana ignorante, pacífica, acomodada, cega. Não vai para o matadouro, mas vai a um campo alienado, cheio de zumbis, alimentando-se do pensamento de cabeças alheias, que é levada para onde eles querem. A verdade dele deixa de existir, em realidade prevalecendo apenas aquela do berrante em uso, sob novo formato. Os poucos que veem isso com clareza, nada podem fazer, a não ser se desesperar e sofrer.

A única saída é, ainda, uma enorme utopia, se é que utopia tem tamanho. Ela está na educação. Escolas públicas, fartas, extremamente bem estruturadas, da melhor qualidade, com mestres referenciais, onde até, e principalmente, os filhos da burguesia devem estudar, ao lado de todos os filhos de miseráveis deste país, numa integração plena.

E, nesse ensino, destacar a História. A história deve ser ensinada desde o primeiro até o último dia da escola. História farta, como alimento na mesa, crítica, libertária, exatamente aquela história que trouxesse a lucidez, para impedir que um sendero qualquer, com um berrante de qualquer natureza, pudesse conduzir nosso destino, resgatando a soberania do pensamento de cada um.

Amém.

 o MANIFESTo DE LAURO:

 

Lauro Velasco é economista formado pela FEA-USP, mas também é historiador de mão cheia, administrador, educador e auto didata em uma gama de atividades, além de um grande pensador político e social.

 

Nesse espaço iremos abordar assuntos, temas, histórias com um enfoque social e político, mas ao mesmo tempo com uma linguagem simples e fácil de ser entendida e disseminada.

 

E com  esse Manifesto iremos trazer a tona assuntos espinhosos, mas com um tempero bem brasileiro.....

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