"Uma Parábola Árabe"
Há dias, houve outra publicação do jornal satírico Charlie Hebdo, aquele mesmo que publicou a charge do profeta Maomé, dando a merda que deu, fazendo uma outra publicação com um tratamento chulo, digno de zona do meretrício, sobre Dilma Roussef. Uma charge grosseira.
Sei que, na imprensa e nas redes sociais, pululam os vermes que fazem desse tipo de crítica a síntese de suas idéias, já que não conseguem produzir coisa melhor, de mais alto nível, numa batalha político ideológica.
Aí, associei o fato e me lembrei, não sei porque, de uma parábola árabe, que passo a relatar.
Certo dia, os soldados de um principado árabe levaram ao seu príncipe dois presos. Esse príncipe era tido como homem sábio, equilibrado e justo. Melhor que Salomão.
O príncipe perguntou aos soldados o porquê do primeiro preso, pedindo a ele próprio que falasse. O primeiro preso disse que roubava umas galinhas, cabras e ovelhas, de vez em quando, para matar sua fome e de sua miserável família e, naquele dia, foi preso em flagrante pelos soldados.
O príncipe disse a ele, numa condenação rápida e leve, que ele receberia 50 chibatadas na praça pública e seria solto e, caso voltasse a repetir o delito, teria sua mão direita decepada.
De imediato, o príncipe perguntou ao segundo preso o porquê alí estava. Ele disse, cinicamente, que não sabia. Um dos soldados, consultado pelo olhar do príncipe, se adiantou, se curvou e disse que ele fora preso porque estava falando mau de uma mulher, desenhando obscenidades com ela. Era uma mulher casada, mãe e, sabidamente, conhecida como mulher séria, honrada, honesta e fiel a seus princípios.
O preso, com leve sorriso cínico nos lábios, dizia ao príncipe, em voz baixa, quase como se houvesse uma cumplicidade entre ambos, que ela era uma mulher muito bonita, com formas esculturais, esbelta e ele, que quase sempre conseguia atingir seus intentos carnais, foi rechaçado todas as vezes que tentou.
Irado, ele começou a falar da mulher na comunidade, depreciando sua imagem e, por isso, com vários testemunhos, foi preso.
O príncipe olhou firmemente nos olhos do preso e disse que ele estava condenado à morte. O prisioneiro, assustado, tentou argumentar, pediu clemência e outra oportunidade.
O príncipe disse-lhe que daria essa outra oportunidade. Entregou a ele um enorme travesseiro que estava a sua frente, recheado de penas e disse-lhe para, em cada esquina da cidade, depositasse um pouco daquelas penas e, depois de concluído, retornasse e fosse recolhendo as mesmas penas. Assim, esperançoso, o prisioneiro saiu e foi fazendo conforme o determinado pelo príncipe. Observou, contudo, que à medida que depositava as penas numa esquina, o vento as tocava e as espalhava pelos ares da rua. O prisioneiro pensou consigo: essas penas se espalharão pelo espaço, e não conseguirei recolhe-las novamente.
Voltou ao príncipe e disse-lhe da impossibilidade de cumprir aquela tarefa pela fluidez das penas levadas pelo vento e pediu outra chance.
O príncipe disse-lhe então: por isso eu estou condenando-o à morte. A calúnia, a mentira, o desrespeito dessa natureza sobre outro ser humano, principalmente sobre uma mulher, mãe de filhos, jamais, jamais, recomporá toda sua dignidade e pureza originais, por todo o sempre de sua vida. Jamais. É uma condenação eterna, infinita, enquanto dure sua vida e até depois de sua morte. Sempre permanecerá uma dúvida maldosa sobre sua honra, uma mácula, uma mancha, que não apenas ela carregará, mas todos os seus pósteros.
Não sei porque, quando vi a charge do Charlie Hebdo sobre Dilma, uma publicação gratuíta, leviana, de franceses que nada tem a ver com nossa vida, nem são padrões de qualquer moralidade, lembrei da parábola árabe.
Assim, também, lembrei da grande imprensa deste país, das redes sociais que, como supostas reservas morais e de virtudes, podem atirar todas as pedras e outros detritos, como na música da Geni. Inverdades de toda natureza, antecipando um suposto julgamento da lei, que até agora não ocorreu. sobre um ser humano, são jogadas ao vento como as penas da parábola, marcando a vítima em caráter definitivo, por gerações, nas páginas da história, sempre com o propósito de destruir o inimigo político, confundindo sátira com desonra.
Tanto penas são soltas no ar, protegidas por uma armadura de uma suposta liberdade de expressão, ultrapassando os limites da razão e da ética.
Não sei porque, me lembrei dessa parábola árabe.
P. S. A origem da expressão "Penas", usadas no judiciário veio dessa parábola.